Thiago da Mata, Bolsista do PIBID
A
regulamentação do ensino de Filosofia nas escolas traz além da novidade de uma
disciplina “extra” para os alunos uma série de desafios que algumas
instituições de ensino não estão preparadas para confrontá-los. Por ser ainda
uma disciplina relativamente nova nos currículos escolares, nem sempre é
possível encontrar um material didático apropriado e utilizá-lo nas salas de
aula. O livro didático de filosofia é uma questão polêmica no Brasil. De modo
que não convém abordar a temática nestas linhas por delimitação de assunto e
pelas diversas nuances que este é capaz de sugerir. Os professores em geral tendem
a uma flexibilidade no manuseio do livro didático fazendo uso de outros
recursos didático-pedagógicos. O que não apresenta problemas sérios se
devidamente trabalhado. Sobre a temática filosófica, segundo minhas
constatações nas discussões em eventos de filosofia pelo país a fora, é também
outro dilema. Encontramos profissionais que defendem um ensino de filosofia com
bases no caráter historiográfico da filosofia, de modo que, nas aulas a opção é
fazer uma leitura da filosofia pelas eras sem motivar uma reflexão crítica. Por
contrapartida, outros profissionais que preferem a abordagem de temas
filosóficos optando ainda por conceituações
ensinando a pensar àqueles que se dispuseram a aprender. E as discussões
vão ainda muito além disso, pois, há ainda pessoas que não vem utilidade no
ensino de filosofia nas escolas. As orientações curriculares para o ensino
médio publicadas pela secretaria da educação básica atentam que:
“Cabe,então, especificamente à
Filosofia a capacidade de análise, de reconstrução racional e de crítica, a
partir da compreensão de que tomar posições diante de textos propostos de
qualquer tipo (tanto textos filosóficos quanto textos não filosóficos e
formações discursivas não explicitadas em textos) e emitir opiniões acerca
deles é um pressuposto indispensável para o exercício da cidadania.”(p.26)
O que não exclui uma retomada da
história da filosofia, já que é essencial para o pensar filosófico na sala de
aula.
[...] não é possível fazer Filosofia
sem recorrer a sua própria história. Dizer que se pode ensinar filosofia apenas
pedindo que os alunos pensem e reflitam sobre os problemas que os afligem ou
que mais preocupam o homem moderno sem oferecer-lhes a base teórica para o
aprofundamento e a compreensão de tais problemas e sem recorrer à base
histórica da reflexão em tais questões é o mesmo que numa aula de Física pedir
que os alunos descubram por si mesmos a fórmula da lei da gravitação sem
estudar Física, esquecendo-se de todas as conquistas anteriores naquele campo,
esquecendo-se do esforço e do trabalho monumental de Newton.”[1]
Estas considerações são para nos situarmos melhor no
contexto das discussões sobre o ensino de filosofia no Brasil. São alvos de
críticas, pesquisas e estão sempre à tona nos eventos que se dispõe a discutir
a temática. No entanto, a nossa finalidade é dizer de um meio para levar a cabo
a tarefa de “ensinar filosofia” no ensino médio. É necessário dizer, que uma
realidade de um colégio nem sempre é igual a de outro. Até mesmo num mesmo
colégio podem existir turmas com realidades diferentes e turnos com realidades
distintas. Sendo assim um recurso didático pode ser eficaz em alguns casos e
insuficiente em outros. Portanto, é conflitante pensar que um livro didático ou
qualquer outro recurso atenderá todas as demandas num país extenso e
multifacetado culturalmente como o nosso. Se o professor de filosofia, de fato
estiver comprometido com o ensino terá que encontrar uma maneira adequada á sua
realidade ainda que isto lhe custe esforços em pesquisa, planejamento e exija
uma dose extra de criatividade.
O projeto PIBID (Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência) financiado pela Capes possibilita
uma intervenção nas atividades escolares das escolas onde é acolhido. Os
bolsistas com a anuência dos supervisores podem elaborar projetos e aplicá-los
nestas escolas de modo a sugerir aos professores uma nova proposta metodológica
que em geral são acatadas pelas instituições.
Ao longo da história da filosofia, os mais
variados filósofos se pronunciaram a respeito da música. Platão, no livro III
da Republica, dedica-se a um dialogo entre Sócrates e Glauco sobre a educação
musical como algo importante na educação dos jovens. Na filosofia de Aristóteles
“a música tem o poder de formar a personalidade”. Na Grécia antiga a música
sempre esteve presente na sociedade seja nas atividades pastoris e domésticas
ou nas liturgias populares como nos ditirambos de Dionísio.
Bem
mais adiante encontramos filósofos apaixonados pela música como Schopenheuer e
Nietzsche. Este último, por meio de seus aforismos radicaliza e afirma que “sem
música a vida seria um erro”. São vários os filósofos que dedicaram parte de
seu tempo a escrever sobre o que a música representa para o homem adentrando
ainda nas questões estéticas, criando teorias e problematizações que merecem
uma pesquisa á parte.
Escrever
sobre a música é praticamente dedicar boa parte da vida na confecção de
verdadeiros tratados correndo o risco de não se ter uma obra completa dada a
toda diversidade musical e direções que este estudo poderá tomar. O que de modo
algum se pretende fazer aqui. A música talvez seja a forma de expressão mais
usada e apreendida por nós. Desde os tempos mais tenros ela se faz presente. Do
embalar doce de uma mãe afetuosa até uma canção respeitosa num ato fúnebre
qualquer. “A música está em tudo do
universo sai um hino”, nos sinaliza Victor Hugo. Em nossa cultura possuímos os mais diversos
gêneros musicais, passando do clássico, erudito, barroco, pelo samba e bossa
nova... Até os ritmos mais modernos e agitados como o Axé music, funk, pagode,
forró e arrocha que são peculiaridades do Brasil. A diversidade cultural em
nosso país propicia variações de ritmos de forma mais presente em algumas
regiões do que em outras. Ao passo que no nordeste há uma aceitação maior do
axé, samba e pagode dado à forte influencia africana nesta região; No sudeste e
sul, por exemplo, há uma maior escolha pelo sertanejo e ritmos chamados “pop” e
eletrônicos. Não há como negar que a música faz parte da vida! Ela transforma certas atividades em algo
deleitoso e é capaz de atenuar nossos cansaços deixando o ambiente agradável
para outros trabalhos: o que não encerra uma novidade visto que já vem sendo
usada assim há muito tempo por alguns psicoterapeutas. Portanto é mais do que
claro que a música perpassa a realidade humana em todas as dimensões. Sendo
assim, por que não usá-la para fazer e ensinar filosofia? Isso é possível?
Porque recorreríamos à musica?
Como
já é sabido, com a lei 11.684/2008 o ensino de filosofia no ensino médio se
torna obrigatório. Por ser ainda recente
e não ter uma assimilação da importância da disciplina por parte dos alunos. o
professor da disciplina, sobretudo nas escolas da rede pública e em populações
mais carentes, se depara, em alguns casos, num cenário de total desinteresse
pela filosofia. Este desinteresse parte de dois lados: dos alunos e da própria
escola em certos casos. De modo geral, com
base em observações que podem não ser constatadas em outros lugares, a falta de
interesse surge por:
1. Preconceito
em relação à disciplina. Que é motivado por comentários de
pessoas (inclusive docentes e familiares) que desconhecem o que de fato é
filosofia. Tomando como lei comentários como: “Filosofia? É coisa de louco!” , “Filosofia
não serve para nada!” , “Filosofia é
coisa do demônio” ou ainda que
“Filosofia não dá dinheiro!” entre outros comentários infundados...
2. Falta
de preparação do quadro docente. Há professores com
formação em outra licenciatura que são obrigados a incorporarem turmas de
filosofia para completar carga horária. Assim um professor de geografia ensina
filosofia sem capacidade e interesse para isso, pois ninguém dá aquilo que não
possui.
3. Ausência
de recursos pedagógicos facilitadores da prática docente.
Ausência de recursos específicos para a disciplina de filosofia, fator este
dificultante para a inserção do aluno no vasto mundo da filosofia. No caso da
filosofia existe pouco material didático que se adéqüe a algumas realidades do
estudante. Algumas escolas não possuem se quer o livro didático. Não possuem
bibliotecas, equipamentos eletrônicos...
Mediante a estas três dificuldades
mencionadas acima, o professor precisa produzir alguma coisa nos 40 minutos
destinados às aulas de filosofia. Estes fatores observados na escola pública e
colhidos de relatos de colegas são de relevância e merecem um aprofundamento e
debate que não farei aqui por limitação de tema e por não ser comum às escolas
em geral. Somam-se a estes três uma série de problemas sociais que a escola
pública enfrenta que pelo grau de complexidade não convém também serem abordados
neste texto.
Neste contexto, como cativar o aluno e
fazer com que ele se interesse pela filosofia em sala de aula?
Os filósofos antigos escreveram que para
a filosofia acontecer é necessário que o homem “se espante” com a realidade ou
ainda que algo lhe “chame atenção”. A gênese da filosofia está na admiração
como encontramos na Metafísica de Aristóteles "Na verdade, foi pela
admiração que os homens começaram a filosofar”.
O
Verbo grego “thaumazein” pode
traduzir este espanto ou admiração capazes de motivar o filosofar. Não dá para
fazer filosofia sem algo que nos chame atenção ou nos toque. Como o “thaumazein”
motiva o filosofar, a música com toda a sua capacidade de sensibilizar pode
provocar no estudante um interesse e gosto pela filosofia se nela existir algo
que remeta a disciplina. A música poderá
“encantar” o estudante e despertar nele esta admiração para a atividade
filosófica. Isso será possível uma vez que ela traz algo do cotidiano que nos pode ser útil na abordagem de temas
estudados pela filosofia.
Nossa proposta é usar letras de músicas
e sons para provocar o interesse e gosto pelas aulas de filosofia por parte do
alunado. A música pode ser capaz de criar uma aproximação do conteúdo
filosófico com a vida. Não pecamos em usar musicas em sala de aula, pois a
pedagogia nos incentiva a buscar práticas criativas e dinâmicas. Em sua
“pedagogia da autonomia”, Paulo Freire nos convida a exercer práticas
pedagógicas a partir da realidade do educando. Se a música faz parte desta
realidade não há problema algum em trazê-la ao contexto escolar. O seu uso em sala de aula, além de gerar
certa “ludicidade” quer buscar também, o desenvolvimento de certas
características como: interpretação, senso critico e elaboração de opiniões próprias,
como é proposto nas orientações curriculares para o ensino médio.
Exemplificando,
um conteúdo filosófico como política (que pode ser trabalhado em autores como
Platão, Hobbes, Marx...) é facilmente aproximado com músicas como “Nos barracos da cidade” de Gilberto Gil
que questiona o modelo de governante que o país possui. O tema do amor no “Banquete”
poderá tornar-se mais fácil e atraente caso seja antecipado por uma canção
romântica que tenha por objetivo provocar apenas certa discussão. No entanto, é
necessário esclarecer,que,a música, mesmo nestas condições, não visa substituir
os clássicos filosóficos e nem o livro didático, mais numa parceria aproximá-los
da realidade do educando.
Tal como os textos da tradição
filosófica não são dogmas, as letras das canções também não são. Cada canção
expõe um ponto de vista, em geral do compositor, que serve, assim como os textos
dos filósofos, de ponto de partida para uma reflexão e debate. A escolha das
músicas deve ser feita de forma criteriosa por parte do professor. Este deve
prever futuras interpretações e estar atento ao que a música possa induzir o
estudante a pensar. Na atividade, o professor deverá motivar leitura,
interpretação e instigar o debate confrontando os pontos de vista e até
propiciar um ar de curiosidade sempre ressaltando que o conteúdo a ser estudado
de certa forma está na música. Alguns já se espantaram dizendo “ a gente canta isso e nunca parou para
pensar!” ou “nunca tinha notado isso
na letra desta música”. Expressões assim são apenas reações possíveis de
quem se dedica a estudar algo tão cotidiano que às vezes aparenta até mesmo
banalidade.
O
trabalho com música nas aulas de filosofias poderá ser ainda mais profundo, se
o professor quiser adentrar nas concepções da estética e levar em conta outros
aspectos como melodia, ritmo, contexto histórico, biografia do cantor... Há uma
série de publicações e artigos sobre música e filosofia de cunho mais
filosófico que merecem uma leitura e reflexão, mas aqui chamo a atenção para um
uso mais didático, ou seja, voltado para as práticas pedagógicas.
O uso das letras permite também uma interdisciplinaridade
entre filosofia e demais disciplinas. Ao usar uma canção de músicos como Chico
Buarque ou Caetano Velloso, que alude a questões políticos-sociais, o professor
poderá (e deverá) inserir o aluno no contexto de criação da música. Neste
exemplo, ao apresentar tais cantores, o professor poderia relatar algo sobre o movimento "tropicália" e ditadura militar, tornando historia e filosofia parceiras numa
discussão sobre política.
O gênero musical deve ser levado em
consideração na hora da interpretação e debate, pois, este também insere a
música num contexto especial podendo também interferir no ânimo dos alunos. A
preferência por letras regionais e conhecidas possibilita ainda mais o objetivo
que se quer alcançar: vincular música, realidade e filosofia. É necessário
explicitar que, não existe qualquer pretensão de transformar as aulas de
filosofia em uma espécie de “aula-show” onde o professor é transformado em um
DJ ou apresentador de TV. O que vale é a sugestão de algo que pode significar
um recurso didático barato e dinâmico capaz de facilitar o aprendizado e
interesse do educando pela disciplina de filosofia.
A música em sala de aula é capaz de
salvar as aulas da monotonia corroborando com números menores de evasão escolar
e melhores níveis de aprendizado. Poderá ainda facilitar o acesso a cultura musical
do país. Por fim pretende-se mesmo é “tocar” o estudante e por meio dela
motivá-lo e facilitar o seu ingresso na atividade do filosofar.
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