5 de nov. de 2010

Resenha do livro "Exercícios Filosóficos" de Madeleine Arondel-Rohaut [Saulo Dourado]


Da série Resenhas dos Livros Didáticos de Filosofia presentes na Biblioteca do Colégio Estadual Dep. Manoel Novaes

-I-

Estamos em bons passos ao discutir se a disciplina de filosofia no 2º grau deve recorrer ao ensino da história dos seus pensadores, sistemas e conceitos ou se à separação em seus eixos, como, por exemplo, “ética”, “estética”, “política”. Entretanto, ao fazê-lo entre ensino histórico ou temático, esquecemos de um terceiro modo, mas não por descuido, pois, sem nomear qual seria ele, já o discutimos com base nos primeiros dois textos nossos de leitura e com a exposição, em especial, do colega Fabiano. Trata-se da possibilidade do ensino cognitivo* da filosofia, ou seja, de um ensino que esteja mais preocupado em apresentar recursos para a análise filosófica de argumentos do que propriamente insistir em conteúdos. Como sei que o assunto caminharia para outro texto, me limitarei apenas a dizer que o Exercícios Filosóficos da Profª Madeleine Arondel-Rohart se identifica com tal didática e, assim, apresentei de antemão a sua proposta.

O livro é resultado de uma experiência de vinte e cinco anos em sala de aula. Não possui bibliografia secundária; na última página só há os autores da tradição, citados para embasamento reflexivo em alguns tópicos. No prefácio existem apenas os pressupostos da obra, nenhuma filiação ou fonte direta. Pode parecer um ensaio à moda antiga, uma crítica ao modelo acadêmico ou mesmo um tipo de depoimento técnico, mas não necessariamente. A autora busca mais fazer do corpo do seu texto o mesmo campo de prática que lhe consistiu o entendimento do ensino da filosofia; traz as matrizes do seu trabalho, mas sem discuti-las ou querer-nos convencer delas em justaposição à outra. Não se preocupa em sustentar com rigor a base teórica, mostra o seu procedimento com exemplos, com os exercícios que promove em sala de aula, sem em nenhum momento citá-la.

Quais seriam estes exercícios filosóficos que dão, inclusive, título à obra? Basicamente a análise de enunciados e de perguntas isoladas, numa divisão de quatro capítulos, que procuram dar foco a determinado tipo de exame cada um, porém sempre mantendendo três fases de pensamento - análise, exame dos pressupostos e pistas de reflexão. A primeira fase, a análise, procura entender termo a termo o que está sendo dito, a segunda quais os sentindos por trás do enunciado ou da questão e o terceiro é a procura de uma conclusão possível para o trajeto de pensamento proposto. Outro ponto em comum nos capítulos é o desfecho Recapitulando, com os detalhes de bastidores do procedimento da autora e os cuidados para quem for pôr em prática os exercícios ao seu próprio modo.

O capítulo 1 é o “Sentido do Senso Comum. Evidências Comuns”, em que expressões populares são postas em exercício. Um “foi mais forte do que eu!” ou “estar caído por alguém” ou “é verdade porque eu vi!” ganha em média oito páginas de depuração, sem que haja fuga do tema ou devaneios, de acordo com o cuidado que a própria autora se impõe no prefácio. Assim também no segundo capítulo, “Do Oráculo ao Enigma? Perguntas”, quando as perguntas mais eminentemente filosóficas recebem palco. Parecidos são os capítulos seguintes, mas com a especialidade em escape de armadilhas. O terceiro “Enganadora Facilidade. Formulações Claras Demais” identifica tipos de questões que incitam a resposta pronta e, por isso, nos causa a traição de pôr a verbo mais as nossas crenças pessoais, nossos preconceitos do que a análise conceitual exigida. Mesmo que no fim à conclusão leve ao que a nossa crença já predizia, não poderíamos jamais partir logo de nossa opinião pessoal. E para deixar bem claro, a autora usa um recurso interessante: à cada pergunta, responde primeiro enganando-se e depois se diz “Opa, não é bem assim”, para enfim examinar a fundo o ponto. O quarto capítulo “Sair do Estupor Paralisante. Formulações Obscuras” caminha pelo oposto. Nele há uma busca de como rearranjar perguntas mal-elaboradas ou de difícil compreensão para, em um mesmo sentido, torná-las mais precisas.

Pode soar, à primeira vista, uma escrita com chamados ao percurso técnica ou à “análise fria”. Não, é justamente o que a autora parece combater. Em suas análises, Arondel-Rohaut, o que para mim foi uma agradável surpresa, chega a empolgar, sob uma evidente simpatia do método socrático. Ela traz conceitos de grandes filósofos para a argumentação e não deixa a análise de enunciados cair em uma interpretação de textos sem especificidade filosófica. Não é um livro para professores de redação ou de línguas, e sim de fato para os de filosofia. E daí talvez o seu problema como livro didático: é uma boa fonte para professores e estudantes de licenciatura, não para alunos de 2º grau. Apesar da linguagem acessível, é mais útil como mostra de método a se utilizar na sala de aula do que como texto de leitura entre os estudantes, embora, claro, com habilidade, possa ser utilizado para este último fim. Recomendo então aos nossos estudos, com a convicção de que é um quadro com muitos recursos a serem apropriados.

Por Saulo Dourado

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Referência bibliográfica:
Exercícios Filosóficos, Madeleine Arondel-Rohaut - Ed. Martins Fontes, 2005 - Trad. Paulo Neves. 140 p. FNDE PNBEM 2008.

Rohaut



2 comentários:

  1. Caro Saulo

    Como sempre comento com você, acho o seu trabalho muito bonito. Ler cuidadosamente os livros inerentes ao seu projeto, catalogá-los, fazer as resenhas...é muito legal e constitui a construção de acervo para escola. Parabéns

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  2. Considero muito abruptos os "saltos" que a autora faz da análise de termos gramaticais até complexas discussões filosóficas. Temas como personalidade, consciência, ética e direito mereciam ser desenvolvidos com mais cuidado.
    Quanto à resenha, a gramática é impecável e descreve com clareza os "Exercícios Filosóficos" de Madeleine Arondel Rohaut. Belo texto.

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